Coragem de chorar

Luzes tímidas entre as brechas da janela,
Apertei os olhos,
Contrair as sobrancelhas
E como uma forma de evitar
Aquela luz do amanhecer
Passei a mão no rosto
Para arrancar as marcas de sono de mim.

  Era cinco e meia da manhã quando ela abriu os olhos e veio aquela indecisão de levantar da cama, talvez fosse um desgaste de energia desnecessário essa indecisão, mas por outro lado tinha tanta coisa para fazer que talvez o inconsciente dela quisesse mesmo continuar com a cabeça no travesseiro. E junto com as preocupações do dia veio aquela dor de cabeça, e o relógio parecia saltar os ponteiros a cada olhada que ela dava.

E como todo bom dia, nada melhor que o café, um simples café até descobrir que ninguém havia se atentado que não tinha mais o gás de cozinha. E todos ainda dormiam, e ela nessas alturas já estava de pé olhando para os quatro cantos da casa e pensando se iria pegar a primeira chamada na faculdade para não tomar falta ou se deixava tudo arrumado antes de sair, além do seu trabalho logo depois.

  Porém, desta vez ela resolveu ir para sua faculdade e que no meio do caminho encontra-se um lugar para tomar o seu café acompanhado de alguma coisa para comer, mas talvez ela não lembrasse, que sua cabeça saiu tão cheia de coisas da sua recém mudança para uma nova casa, que nem notou nenhuma barraquinha de lanche enquanto caminhava.

E lá estava Analu na sala de aula, talvez apenas de corpo presente, pensando em mil coisas menos nela, e as dores de cabeça só aumentavam, e o seu corpo quente, saiu de casa e deixou tudo lá, até a sua alma tinha ficado pelo caminho de todos os dias. Onde estaria Analu se não longe do seu presente.

– E quem sabe mais o que o professor estava falando?
– E quem sabe mais quando ele fez a primeira chamada?
– Agora estou tonta!
– Preciso ir ao banheiro!
– Preciso sair daqui!
– Aonde é o caminho?
– Alguém me ouve?
– Tem alguém me segurando?
– Está frio aqui, esse corredor não termina mais
– Espero que dê tempo de chegar.

Esse banheiro é meu refúgio agora, para jogar tudo que eu não quero, para fora de mim, mesmo que eu não tenha pedido por isso.

  A passos lentos todo aquele barulho nos corredores se tornaram eco e cada vez mais disperso como se perdesse dentro dos meus ouvidos, não sei para onde estou indo. Talvez eu esteja morrendo, talvez seja o meu corpo dizendo que eu tenho que para.

Finalmente ela chegou na porta da saída, mesmo que ainda com tontura e ânsia de vomito, ela se encostou em um poste próximo a calçada e começou a se questionar do porquê ficou assim, será que a morte me escolheu hoje. Assim pensava Analu.

De uma coisa ela sabia, que não estava bem, mas não por ter comido alguma besteira no dia anterior ou está fraca, mas na verdade ela estava fraca. Estava fraca porque se viu frágil diante a está sozinha a tantas decisões, aos compromissos diários, as soluções e as brechas que iam aparecendo a cada momento que ela tentava resolver um problema, quase como um quebra-cabeça a grande diferença era que no jogo da vida a gente não pode colocar as peças de volta na caixa quando não consegue terminar.

E nesses pensamentos que passavam em sua cabeça de repente as lágrimas rolaram e agarrada ao poste como uma forma de ajudar no seu equilíbrio foi ajoelhando aos poucos e aqueles pingos d’água que desapareciam no seu rosto não era chuva, pois o dia era de sol. E quem passava por ali achava que era uma desistente, uma medrosa dos dias inglórios, que o namorado, marido, filhos ou qualquer coisa do gênero a tinha abandonado. Talvez sim, talvez foi um abandono do vazio, o abandono do “deixa fazer”, do “tudo bem” do “papo de elevador” e do fôlego da vida.

Mas o que é chorar se não a coragem de expor sua vulnerabilidade, de ser forte o suficiente para assumir suas fragilidades. Ela foi forte, não pela sua persistência e vontade de resolver tudo sozinha mas de reconhecer naquele momento seus limites, de assumir que seu corpo disse chega. E o que é que tem? A gente desaba as vezes mesmo que a gente diga não ao nosso corpo, não aos nossos limites. É claro que temos que continuar, mas a pausa é importante porque não saberemos quem somos enquanto não houver o silencio.

E sua amiga finalmente tinha chegado, sinal de que a mensagem enviada no banheiro não foi em vão, tirou ela da calçada e a colocou dentro do carro e quando Analu se deu conta estava numa maca de hospital tomando soro e foi o melhor lugar que ela poderia estar. Depois de tanto tempo, foi servida com um sentimento de cuidado. Foi tão bom, que o cheiro de éter não a incomodava.

9 comentários em “Coragem de chorar

      1. Cobra, e muito. E não sabemos parar, projectamo-nos no futuro, traz-nos ansiedade, paramos para pensar no passado, carrega depressão. É como a sociedade está a viver, ritmo frenético ou piloto automático, concordo contigo.
        Daí, gostar imenso do que disseste, porque só parando, e ficando no silêncio, presentemente é que conseguimos arrumar a nossa cabeça.
        Gostei muito do texto.

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      1. Então somos eternos aprendizes! E vindo de você esses elogios. Me sinto muito feliz. Porque eu escrevia poemas daí resolvi fazer um blog me jogando nos textos e fazendo essas misturas aí de pensamentos, caricaturas da realidade e alguns até com fatos reais. ☺️

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      2. Continua o bom trabalho, com ou sem poesia, importante é que saia de nós, seja um reflexo dos nossos sentimentos, do que está cá dentro.
        Vamos falando 🙂

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